@ talvasconcelos

À medida que a automação continua a moldar as indústrias e milhões enfrentam a ameaça do desemprego, o Rendimento Básico Incondicional (RBI) surgiu como uma das soluções mais debatidas para abordar a pobreza, a desigualdade e a insegurança económica. No seu cerne, o RBI propõe uma quantia regular e incondicional de dinheiro para os indivíduos, visando fornecer estabilidade financeira independentemente do estado de emprego. Este artigo explora os resultados de um estudo recente que testou os efeitos do RBI em economias desenvolvidas, revelando resultados surpreendentes que desafiam as narrativas optimistas em torno da política.

O que é o RBI?

O RBI é um sistema financeiro onde todos recebem uma quantia fixa de dinheiro, independentemente do rendimento ou do estado de emprego. Não é uma ideia nova. Desde o tempo de Júlio César em Roma até economistas modernos como Milton Friedman, o conceito evoluiu. No século XX, Friedman defendeu o conceito de um imposto negativo sobre o rendimento, enquanto mais recentemente, o "Dividendo da Liberdade" de Andrew Yang trouxe a ideia do RBI para a arena política mainstream.

O objectivo do RBI é simples: dar aos indivíduos os meios para cobrir as suas necessidades básicas, para que possam concentrar-se no desenvolvimento pessoal, na educação e na melhoria da sua posição económica. Os defensores argumentam que poderia revolucionar o sistema de bem-estar social, simplificar a burocracia e encorajar o empreendedorismo, dando às pessoas a liberdade de correr riscos sem medo de ruína financeira.

Os Benefícios Teóricos do RBI: Preferência Temporal e Necessidades Essenciais

Um dos conceitos-chave no coração dos potenciais benefícios do RBI é a preferência temporal, que se refere à inclinação de um indivíduo para valorizar recompensas presentes em detrimento das futuras. Uma preferência temporal alta significa priorizar necessidades e gratificação imediatas, enquanto uma preferência temporal baixa sugere uma disposição para adiar recompensas em favor de ganhos a longo prazo. Economicamente, aqueles com alta preferência temporal tendem a tomar decisões financeiras de curto-prazo—gastando em consumo imediato em vez de investir em educação, habilidades ou activos que levariam a uma maior riqueza ao longo do tempo. Socialmente, isso muitas vezes perpetua ciclos de pobreza, uma vez que famílias com alta preferência temporal lutam para escapar do modo de sobrevivência do dia-a-dia, limitando as suas oportunidades de mobilidade ascendente. Por exemplo, as famílias podem usar o seu rendimento para cobrir necessidades imediatas como renda ou alimentos, em vez de investir em educação ou iniciar um negócio.

O RBI, em teoria, poderia ajudar a reduzir a alta preferência temporal dos indivíduos ao aliviar a pressão financeira imediata das necessidades básicas de sobrevivência. Quando as pessoas não precisam mais se preocupar em conseguir o essencial como comida, renda de casa ou cuidados de saúde, podem mudar para uma preferência temporal baixa, focando-se em investimentos em educação, formação ou outras actividades económicas a longo prazo. Esta mudança é crucial para romper o ciclo da pobreza, onde as famílias ficam presas a resolver necessidades de curto prazo em detrimento da prosperidade futura.

No entanto, é essencial reconhecer o papel significativo de atender às necessidades humanas básicas antes que qualquer progresso económico a longo prazo possa ser alcançado. Sem resolver primeiro essas questões fundamentais—como habitação, nutrição e cuidados de saúde—não se pode esperar que os indivíduos prosperem ou sequer considerem o auto aperfeiçoamento. Qualquer esforço para elevar a sociedade a padrões de vida mais altos deve começar por proporcionar a estabilidade e a segurança que permitem aos indivíduos planear o futuro. Sem resolver esses desafios imediatos, a perspectiva de elevar uma sociedade como um todo permanece inatingível.

Vale a pena notar que os governos, ao propor sistemas como o RBI para ajudar ostensivamente os seus cidadãos, muitas vezes criam dependência de programas de assistência social. Com o tempo, isso pode incentivar comportamentos de alta preferência temporal, ao fomentar a dependência de ajuda a curto prazo em vez de incentivar o crescimento auto-sustentável a longo prazo. Em muitos casos, os programas de segurança social perpetuam involuntariamente (ou não), a pobreza ao prender as pessoas em ciclos de dependência, em vez de capacitá-las a se libertar da insegurança financeira.

O conhecido provérbio, "Dê um peixe a um homem e alimentá-lo-á por um dia; ensine um homem a pescar e alimentá-lo-á por toda a vida," captura a essência deste argumento. Embora fornecer ajuda financeira imediata através do RBI possa ajudar a curto prazo, sem incentivos adequados e sistemas de apoio que incentivem a autossuficiência, há o risco de que a política ofereça apenas um alívio temporário sem fomentar verdadeiras soluções a longo prazo para a melhoria económica.

Em resumo, enquanto o RBI promete aliviar a pressão financeira e mudar as pessoas para um planeamento a longo prazo, o contexto social mais amplo e a participação do governo na criação de dependência devem ser examinados criticamente para garantir que leve genuinamente a um progresso económico duradouro.

Estudo Recente sobre o RBI: Configuração e Principais Métricas

Um estudo realizado entre 2020 e 2023 procurou entender como o RBI impacta o bem-estar financeiro em economias desenvolvidas, particularmente nos EUA. O estudo centrou-se em 3.000 famílias de Dallas no Texas, e Chicago no Illinois, dividindo-as em dois grupos:

• Grupo 1: 1.000 famílias receberam $1.000 por mês durante três anos ($36.000 no total).
• Grupo 2: 2.000 famílias receberam $50 por mês durante três anos ($1.800 no total).

O estudo mediu rendimento, património líquido, emprego e bem-estar geral para avaliar como o RBI afectou a saúde financeira dos participantes e as suas oportunidades de melhoria económica.

Principais Descobertas: Os Resultados Surpreendentes do RBI

Queda nos Rendimentos

Contrariando as expectativas, os participantes que receberam $1.000 por mês ganharam, em média, $1.500 a menos anualmente do que aqueles do grupo de controlo. Em vez de usar o rendimento adicional para investir em educação ou formação profissional, os beneficiários reduziram as suas horas de trabalho em 1,3 a 1,4 horas por semana, passando mais tempo em actividades de lazer em vez de em actividades que poderiam melhorar o seu potencial de rendimento a longo prazo.

Nenhuma Melhoria no Capital Humano

Outra expectativa chave do RBI é que ajudaria os beneficiários a investir em habilidades e educação. No entanto, o estudo não encontrou melhorias significativas no capital humano. Apesar de receber apoio financeiro, os beneficiários não procuraram educação superior ou formação profissional em maiores taxas do que o grupo de controlo, deixando a promessa central do RBI não realizada.

Impacto Negativo no Património Líquido

Talvez o resultado mais surpreendente tenha sido o efeito sobre o património líquido. Os participantes que receberam $36.000 terminaram com $1.000 a menos em património líquido do que aqueles que receberam apenas $1.800. Isso levanta sérias questões sobre como os beneficiários do RBI geriram as suas finanças, uma vez que o dinheiro adicional deveria ter ajudado a poupar ou a investir em activos.

Falta de Resiliência Financeira

O RBI também falhou em melhorar a capacidade dos participantes de lidar com choques financeiros. Não houve mudanças significativas no acesso ao crédito, na morosidade ou nas taxas de falência entre os beneficiários, sugerindo que o RBI não proporcionou a estabilidade financeira ou a resiliência que os defensores esperavam.

A Mídia Retratou Incorretamente os Resultados

Apesar destes resultados surpreendentes, a cobertura da mídia sobre o estudo focou em resultados secundários, como a flexibilidade aumentada ou pequenas melhorias no estilo de vida, como visitas mais frequentes ao dentista. Esta reportagem selectiva é provavelmente devido às motivações dos que financiaram a pesquisa.

O estudo foi realizado pela Open Research, uma empresa fundada por Sam Altman, CEO da OpenAI. Altman tem interesse em promover o RBI como uma solução para o desemprego em massa esperado como resultado da ascensão da IA e da automação. Ao focar em melhorias marginais e enquadrar o RBI como um caminho para a flexibilidade, a mídia minimizou as descobertas principais do estudo: os beneficiários do RBI terminaram mais pobres e menos financeiramente seguros do que seus homólogos.

À medida que a IA continua a evoluir, o seu potencial para substituir empregos em várias indústrias torna-se cada vez mais claro. Na agricultura, por exemplo, onde tarefas intensivas em mão-de-obra como arar campos, plantar e colher uma vez exigiram muitos trabalhadores, máquinas e automação impulsionadas por IA estão a tornar possível que um único operador realize o trabalho de dez pessoas. Por exemplo, tractores autónomos equipados com IA podem arar e semear vastos campos com um mínimo de intervenção humana. Da mesma forma, ceifeiras controladas por IA podem optimizar a colheita de culturas como morangos ou uvas, reduzindo drasticamente a necessidade de mão-de-obra manual.

Esta tendência não se limita à agricultura. Os empregos de colarinho azul na manufactura, construção e logística também estão em risco. Robôs automatizados em fábricas podem agora montar produtos mais rapidamente e com maior precisão do que os trabalhadores humanos, e sistemas geridos por IA podem gerir cadeias de abastecimento com uma eficiência que supera as capacidades humanas. Mesmo os empregos tradicionalmente vistos como seguros contra a automação, como a condução de camiões ou veículos de entrega, estão a ser ameaçados pela ascensão de veículos autónomos.

À medida que estas tecnologias se tornam mais generalizadas, muitas pessoas podem ver-se deslocadas do mercado de emprego tradicional, levando a uma crescente divisão económica. O RBI é frequentemente proposto como uma rede de segurança para prevenir a pobreza generalizada causada por esta mudança. No entanto, sem abordar as mudanças estruturais subjacentes e as oportunidades de requalificação para os trabalhadores, o RBI por si só pode não ser suficiente para fechar a lacuna criada pelas perdas de empregos induzidas pela IA. É por isso que Altman e outros na indústria da IA têm interesse em apresentar o RBI como uma solução inovadora para a crise iminente da automação.

Desafios e Limitações do Estudo

Há vários factores a considerar ao interpretar estes resultados. O estudo ocorreu durante a pandemia global de COVID-19, um período de severas perturbações económicas. Isso levanta questões sobre se as descobertas podem ser totalmente generalizadas para condições económicas mais típicas.

Outra limitação chave é o modelo de RBI testado—pagamentos mensais de $1.000. Esta estrutura pode não ser a maneira mais eficaz de entregar o RBI. Os pagamentos mensais podem incentivar os beneficiários a tratar o RBI como rendimento suplementar, levando a gastos de curto prazo em vez de investimentos a longo prazo em capital humano.

Explorando Abordagens Alternativas ao RBI

Uma alternativa é um modelo de pagamento em lump-sum, onde os beneficiários recebem um grande pagamento de uma só vez em vez de parcelas mensais mais pequenas. Isso poderia permitir que fizessem investimentos significativos, como a compra de um veículo ou a liquidação de dívidas, que teriam um impacto a longo prazo no seu bem-estar financeiro.

Num experimento de RBI realizado na Libéria, por exemplo, os beneficiários usaram os pagamentos em lump-sum para melhorar as suas casas, passando de telhados de erva para telhados de metal, Evitando assim reparações e custos, tempo e dinheiro, todos os anos. Esses investimentos levaram a economias a longo prazo e aumentaram a qualidade de vida, demonstrando os potenciais benefícios de pagamentos grandes e antecipados.

Outra abordagem é integrar o RBI com o sistema fiscal, proporcionando alívio fiscal (ou vouchers) para aqueles que optam por não utilizar serviços públicos, como educação ou saúde. Isso mudaria o RBI de um subsídio directo para um sistema mais flexível que recompensa a responsabilidade pessoal, enquanto ainda fornece alívio financeiro.

Conclusão: O Futuro do RBI e o Cepticismo

O estudo recente coloca dúvidas sobre a eficácia do RBI na sua forma actual. Embora o conceito tenha potencial, particularmente na abordagem da pobreza, as descobertas do estudo sugerem que os pagamentos mensais podem não levar às melhorias financeiras a longo prazo que os defensores esperavam. Os beneficiários do estudo trabalharam menos, ganharam menos e terminaram com um património líquido inferior, desafiando a premissa central do RBI. O estado da economia também tem um papel importante no sucesso dos programas. O sucesso na Libéria contrasta com o menos sucedido estudo nos Estado Unidos.

No entanto, isso não significa que o RBI seja um conceito falhado. Em vez disso, destaca a necessidade de mais pesquisa e experimentação com diferentes modelos, como distribuições em lump-sum ou RBI baseado em impostos. À medida que a IA e a automação moldam a economia, encontrar soluções eficazes para a insegurança económica permanece crucial, e o RBI, de alguma forma, ainda poderia desempenhar um papel nesse futuro.

---

Photo by Erik Mclean on Unsplash