-
@ talvasconcelos
2025-05-16 11:40:35Há algo quase reconfortante na previsibilidade com que certos colunistas abordam Bitcoin: a cada oportunidade, repetem os mesmos chavões, reciclados com indignação moralista e embrulhados numa embalagem de falsa autoridade. O artigo publicado na Visão, com o título dramático "De criança prodígio a adolescente problemático", encaixa-se perfeitamente nesse molde.
Trata-se de uma peça de opinião que mistura factos irrelevantes com interpretações enviesadas, estatísticas sem contexto e um medo mal disfarçado de perder o monopólio da narrativa económica. A autora, Sofia Santos Machado, opta por colar em Bitcoin os desastres do chamado “mundo cripto” como se fossem parte do mesmo fenómeno — ignorando, por conveniência ou ignorância, que Bitcoin não é altcoins, não é NFTs, não é esquemas de yield exótico, e não é fintech vestida de blockchain.
Esta resposta centra-se exclusivamente em Bitcoin — um protocolo monetário aberto, incorruptível e resistente à censura, que já está a servir como salvaguarda de valor em regiões onde o sistema financeiro convencional falhou. Não me interessa defender pirâmides, tokens inflacionários ou aventuras bancárias mal calculadas.
Criticar Bitcoin é legítimo — mas fazê-lo sem saber do que se fala é apenas desinformação.
A Histeria da Água — Falar Sem Saber
O artigo abre com uma pérola alarmista sobre o consumo de água:
“Uma única transacção de bitcoin consome seis milhões de vezes mais água do que um pagamento com cartão.”
Seis. Milhões. De vezes. Resta saber se a autora escreveu isto com cara séria ou a rir-se enquanto bebia água engarrafada dos Alpes Suíços.
Fontes? Metodologia? Contexto? Estou a brincar — isto é a Visão, onde os números são decoração e os factos opcionais.
Claro que comparar transacções na camada base de Bitcoin com pagamentos "instantâneos" da rede Visa é tão rigoroso como comparar um Boeing 747 com um avião de papel porque um voa mais longe. Um artigo sério teria falado em batching, na Lightning Network, ou no facto de que Bitcoin nem sequer compete com a Visa nesse nível, nem em nenhum. Mas isso exigiria, imagine-se, investigação.
Pior ainda, não há qualquer menção ao consumo de água na extracção de ouro, nos data centers bancários, ou no treino de modelos de inteligência artificial. Pelos vistos, só Bitcoin tem de obedecer aos mandamentos ecológicos da Visão. O resto? Santa ignorância selectiva.
Criminosos e o Fantasma do Satoshi
Eis o clássico: “Bitcoin é usado por criminosos”. Um cliché bafiento tirado do baú de 2013, agora reapresentado como se fosse escândalo fresco.
Na realidade, Bitcoin é pseudónimo, não anónimo. Todas as transacções ficam gravadas num livro público — não é propriamente o esconderijo ideal para lavar dinheiro, a menos que sejas fã de disfarces em néon.
E os dados? Claríssimos. Segundo a Chainalysis e a Europol, a actividade ilícita com Bitcoin tem vindo a diminuir. Enquanto isso, os bancos — esses bastiões de confiança — continuam a ser apanhados a lavar biliões para cartéis e cleptocratas. Mas disso a Visão não fala. Devia estragar a narrativa.
O verdadeiro crime aqui é a preguiça intelectual tão profunda que quase merece uma moldura. A Visão tem um editor?
O Espantalho Energético
Como uma criança que acabou de aprender uma palavra nova, a Visão repete “consumo energético” como se fosse um pecado original. Bitcoin usa electricidade — escândalo!
Mas vejamos: o Proof-of-Work não é um defeito. É a razão pela qual Bitcoin é seguro. Não há “desperdício” — há uso, e muitas vezes com energia excedente, renovável, ou que de outro modo seria desperdiçada. É por isso que os mineiros se instalam junto a barragens remotas, queima de gás (flaring), ou parques eólicos no meio do nada — não porque odeiam o planeta, mas porque os incentivos económicos funcionam. Escrevi sobre isso aqui.
O que a Visão convenientemente ignora é que Bitcoin está a ajudar a integrar mais energia renovável nas redes, funcionando como carga flexível. Mas nuance? Trabalho de casa? Esquece lá isso.
Para uma explicação mais séria, podiam ter ouvido o podcast A Seita Bitcoin com o Daniel Batten. Mas para quê investigar?
Cripto = Bitcoin = Fraude?
Aqui chegamos ao buraco negro intelectual: enfiar tudo no mesmo saco. FTX colapsou? Culpa de Bitcoin. Um banqueiro jogou com altcoins? Culpa de Bitcoin. Scam de NFT? Deve ter sido o Satoshi.
Vamos esclarecer: Bitcoin não é “cripto”. Bitcoin é descentralizado, sem líderes, transparente. Não teve pré-mineração, não tem CEO, não promete lucros. O que o rodeia? Tokens centralizados, esquemas Ponzi, pirâmides e vaporware — precisamente o oposto do que Bitcoin representa.
Se um executivo bancário perde o dinheiro dos clientes em Dogecoins, isso é um problema dele. Bitcoin não lhe prometeu nada. Foi a ganância.
E convenhamos: os bancos tradicionais também colapsam. E não precisam de satoshis para isso. Bastam dívidas mal geridas, contabilidade criativa e uma fé cega no sistema.
Culpar Bitcoin por falcatruas “cripto” é como culpar o TCP/IP ou SMTP por emails de phishing. É preguiçoso, desonesto e diz-nos mais sobre a autora do que sobre a tecnologia.
Promessas Por Cumprir? Só Se Não Estiveres a Ver
A "jornalista" da Visão lamenta que “após 15 anos, os riscos são reais mas as promessas por cumprir”. Que promessas? Dinheiro grátis? Cafés pagos com QR codes mágicos?
Bitcoin nunca prometeu fazer cappuccinos mais rápidos. Prometeu soberania monetária, resistência à censura e um sistema previsível. E tem cumprido — diariamente, para milhões. E para o cappuccino, há sempre a Lightning Network.
Pergunta aos venezuelanos, nigerianos, peruanos ou argentinos se Bitcoin falhou. Para muitos, é a única forma de escapar à hiperinflação, ao confisco estatal e à decadência financeira.
Bitcoin não é uma app. É infra-estrutura. É uma nova camada base para o dinheiro global. Não se vê — mas protege, impõe regras e não obedece a caprichos de banqueiros centrais.
E isso assusta. Especialmente quem nunca viveu fora da bolha do euro.
Conclusão: A Visão a Gritar Contra o Progresso
No fim, o artigo da Visão é um festival de clichés, dados errados e ressentimento. Não é só enganador. É desonesto. Culpa a tecnologia pelos erros dos homens. Rejeita o futuro em nome do conforto passado.
Bitcoin não é uma varinha mágica. Mas é a fundação de uma nova liberdade financeira. Uma ferramenta para proteger valor, resistir a abusos e escapar ao controlo constante de quem acha que sabe o que é melhor para ti.
Portanto, fica aqui o desafio, Sofia: se queres criticar Bitcoin, primeiro percebe o que é. Lê o white paper. Estuda. Faz perguntas difíceis.
Caso contrário, és só mais um cão a ladrar para a trovoada — muito barulho, zero impacto.