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@ talvasconcelos
2025-04-30 15:50:17O programa eleitoral do CHEGA para 2025 é ousado. Apresenta uma crítica abrangente aos últimos cinco decénios de governação em Portugal e oferece um ambicioso plano para o renascimento nacional—baseado em disciplina, tradição e autoridade estatal. Enquadrado como uma missão de resgate moral e institucional, o programa está repleto de propostas para reforçar a identidade nacional, reestruturar a educação, restaurar a lei e a ordem, e promover o renascimento demográfico.
No entanto, por toda a sua determinação, o programa do CHEGA levanta questões importantes: Qual é o custo de restaurar a ordem através de uma autoridade moral centralizada? Como um projeto cultural centrado no Estado se alinha com a liberdade individual? E pode surgir um verdadeiro renascimento ao impor uniformidade de cima para baixo?
Um Estado para a Família—Mas a Que Nível de Controlo?
O programa do CHEGA está fundamentado numa visão centrada na família: alívio fiscal, apoio à habitação, aposentação antecipada para avós e incentivos pró-natalistas rigorosos. A defesa do crescimento da população nativa é claramente priorizada em relação à imigração.
Mas, enquanto a defesa da autonomia familiar está em primeiro plano, a solução oferecida é a engenharia estatal da vida pessoal. A política fiscal, as escolhas reprodutivas e até os currículos escolares serão moldados por uma visão cultural e moral específica. Há pouco espaço para o pluralismo ou alternativas privadas—apenas um modelo de família, identidade e moralidade é reconhecido como legítimo.
Mérito, Sim—Mas Sempre Gerido de Cima
A reforma da educação do CHEGA propõe um retorno à meritocracia e à ordem: reintrodução de exames, aumento da autoridade dos professores e redução da burocracia. Estes são objetivos defensáveis. No entanto, a implementação pressupõe um filtro moral centralizado: banir certos temas (por exemplo, a teoria de género), tornar o conteúdo ideológico sujeito a veto parental e redesenhar a política educacional para excluir o que o partido considera como influências “woke” ou “esquerdistas”.
O risco é que as escolas se tornem campos de batalha pelo controlo cultural, em vez de instituições de pensamento independente. Uma verdadeira reforma educacional deve expandir a liberdade de escolha, e não substituir uma ortodoxia ideológica por outra.
Reforma da Justiça ou Deriva Autoritária?
O CHEGA defende uma postura firme contra o crime e a corrupção. Os apelos por julgamentos mais rápidos, penalidades mais severas e melhores condições para os profissionais da justiça reflectem frustrações legítimas do público. No entanto, o programa tende fortemente para a justiça retributiva, com propostas como sentenças de prisão perpétua e ampliação dos poderes de policiamento estatal.
Ausente nessa abordagem está qualquer menção a verificações e contrapesos sistémicos, salvaguardas de independência judicial, ou alternativas de justiça restaurativa. Sem esses mecanismos, um sistema de justiça focado exclusivamente no castigo corre o risco de se tornar um instrumento bruto de poder estatal.
Soberania Cultural vs. Autonomia Individual
A mensagem nacionalista do CHEGA é consistente: proteger a identidade portuguesa, as tradições e o perfil demográfico. O multiculturalismo e a imigração são apresentados não como desafios a serem geridos, mas como ameaças a serem resistidas. As políticas são estruturadas em torno da conformidade cultural—imigração apenas se culturalmente alinhada, escolaridade apenas se ideologicamente “limpa” e o serviço nacional reestruturado num ritual de lealdade.
No entanto, a liberdade de consciência, expressão e associação—fundamentos da sociedade democrática—são difíceis de reconciliar com uma uniformidade cultural imposta. O que começa como protecção pode rapidamente transformar-se em proibição.
O Custo Oculto da Virtude Liderada pelo Estado
O programa do CHEGA fala a linguagem da ordem, moralidade e restauração. Mas seu mecanismo é o Estado—e não um Estado minimalista. Desde a definição de conteúdo educacional até a orientação da formação familiar, o programa propõe um nível de intervenção que deixa pouco espaço para a iniciativa individual ou alternativas voluntárias.
Ao tentar corrigir as falhas de um sistema inchado e ineficiente, o CHEGA corre o risco de substituí-lo por um sistema rígido e moralizante—um que pode restaurar a hierarquia, mas à custa da flexibilidade e da soberania pessoal.
Conclusão: O Renascimento Deve Vir com Moderação
O programa do CHEGA para 2025 capta frustrações legítimas: decadência institucional, deslocalização cultural e estagnação económica. Mas a cura—um Estado centralizado e ideologicamente rígido—provavelmente não servirá os cidadãos. O verdadeiro renascimento exige menos dependência do poder político, e não mais.
Para eleitores que acreditam num governo limitado, descentralização e autonomia individual, a visão do CHEGA pode parecer mais um apelo pelo controlo do que um manifesto pela liberdade.
Photo by Claudio Schwarz on Unsplash