-
@ talvasconcelos
2025-04-30 17:46:22O programa da Iniciativa Liberal para 2025, intitulado “Acelerar Portugal”, é uma declaração abrangente em favor da desregulação, autonomia individual e interferência mínima do Estado. Em contraste com a crescente tendência intervencionista na política portuguesa, o programa defende os princípios do liberalismo clássico: disciplina fiscal, privatização, meritocracia e liberdade económica.
No entanto, por trás deste roteiro ambicioso, surgem questões importantes sobre o alcance, a viabilidade e as possíveis consequências não intencionais—particularmente quando a liberalização rápida encontra uma dependência pública enraizada e a inercia burocrática.
A Promessa de um Estado Menor e Mais Rápido
No núcleo do programa, está a proposta de uma reengenharia completa do Estado português: privatização de empresas públicas chave (como a TAP, CP e RTP), redução da contratação no sector público e simplificação da burocracia. Trata-se de uma visão de governo como serviço, não como guardião.
Em princípio, essa ênfase na eficiência e descentralização é bem-vinda. Os cidadãos merecem instituições mais ágeis e respostas mais rápidas. No entanto, externalizar serviços essenciais, como transportes e comunicação, sem reformas estruturais ou salvaguardas, pode correr o risco de substituir a ineficiência pelo monopólio, e a transparência pela opacidade.
Liberdade Económica vs. Desigualdade Estrutural
Nas áreas da fiscalidade e política económica, as propostas são claras: reduzir impostos sobre o rendimento e as empresas, eliminar sobre taxas, cortar o IVA na construção e desregulamentar a actividade empresarial. Estas medidas certamente aliviarão a carga sobre trabalhadores e empresários. No entanto, o programa subestima como a dívida pública estrutural, o envelhecimento da população e a dependência de fundos da UE podem limitar a eficácia dessas propostas.
A proposta de privatizar a segurança social e criar um modelo de pensões baseado em contas individuais e um sistema de múltiplos pilares poderia revitalizar o planeamento pessoal—mas também transfere o risco a longo prazo para o cidadão, num país onde a literacia financeira é desigual e a confiança nas instituições privadas ainda é frágil.
Educação e Saúde: Liberdade de Escolha, Mas a Que Preço?
O programa propõe voucher escolar universal, permitindo que o financiamento siga o aluno em opções públicas e privadas. Da mesma forma, defende liberdade de escolha de prestadores de saúde, com financiamento estatal (modelo "SUA-Saúde").
Esta é uma mudança refrescante em direcção à soberania do consumidor nos serviços públicos. No entanto, sem uma base de qualidade universal, esses mecanismos correm o risco de agravar as desigualdades—beneficiando os já informados, móveis e com mais recursos, enquanto deixam para trás os menos favorecidos.
Justiça, Segurança e Instituições
As reformas no sistema judicial, no processo eleitoral e na administração pública focam fortemente na meritocracia, transparência e optimização de processos. São reformas necessárias e oportunas.
Mas, enquanto a regulação do lobbying e o acompanhamento digital do orçamento são excelentes ferramentas de responsabilização, o programa ignora em grande parte o elemento humano do poder político: a influência informal, a cultura política e a inercia institucional. Melhores interfaces não resultarão automaticamente numa melhor governança se a confiança civil e a participação permanecerem baixas.
Ambiente, Cultura e Tecnologia: Leve, Limpo e Orientado pelo Mercado
A Iniciativa Liberal apoia as energias renováveis e a eficiência energética, mas evita o planeamento verde centralizado. O mercado dinâmico de carbono proposto e a reforma das agências ambientais reflectem uma abordagem orientada pelo mercado para a sustentabilidade—bem-vinda em princípio, embora faltem detalhes sobre execução e salvaguardas sociais.
A secção cultural defende descentralização, financiamento independente e menos burocracia, ao mesmo tempo que abraça a inovação, como eSports e mídia digital. Essas posições contrastam positivamente com a politização da cultura, mas dependem fortemente da prontidão da sociedade civil para preencher os vazios que o Estado deixa para trás.
Conclusão: Um Acelerador para a Liberdade, Com Sinais de Atenção à Frente
O programa da Iniciativa Liberal é ousado, liberal no sentido clássico, e intransigentemente pró-mercado. Ele corta através da névoa política habitual com objectivos claros e mensuráveis. Para eleitores cansados da burocracia, da tributação elevada e do intervencionismo ideológico, esta pode ser a injecção de liberdade que Portugal precisa.
No entanto, velocidade e escala trazem riscos. O Estado pode encolher de um dia para o outro—mas os hábitos dos cidadãos, as redes de segurança e a resiliência comunitária evoluem muito mais lentamente. Sem investimentos paralelos em capacidade cívica, educação e robustez institucional, o país corre o risco de trocar um tipo de desequilíbrio por outro.
Em última análise, reformar um sistema inchado e lento é louvável—mas mesmo na liberdade, aceleração sem aderência pode ainda fazer os pneus patinarem.
Photo by Claudio Schwarz on Unsplash