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@ Girino Vey!
2025-05-29 19:53:51
# Fumaça e Renascimento
nostr:npub1ne99yarta29qxnsp0ssp6cpnnqmtwl8cvklenfcsg2fantuvf0zqmpxjxk não era uma má pessoa. Tinha sonhos, ambições, um bom senso de humor. Mas a vida, implacável como sempre, lhe deu um atalho — e ela, movida por curiosidade e dor, aceitou. O atalho vinha em pedras pequenas, envoltas em papel alumínio, acesas com isqueiros surrados nas esquinas onde os becos pareciam respirar tristeza. Foi assim que ela conheceu o crack. E foi assim que perdeu o resto de si.
Entre idas e vindas às bocas de fumo de um subúrbio sem nome, ela encontrou Caíque — o traficante de sorriso sarcástico e olhos fundos de quem já viu demais. Ele vendia, ela comprava. Até que, numa dessas trocas, o olhar durou tempo demais. Passaram a fumar juntos. Dormir juntos. Fugir juntos. Amar, se é que se pode chamar assim, naquela frequência de fumaça e abandono.
Caíque foi preso numa operação batizada ironicamente de “Primavera Limpa”. Sophia, ainda em negação, continuava a visitá-lo, como se aquilo tudo fosse apenas um episódio. Mas num dia cinza, numa visita íntima que deveria ser como as outras, ela foi revistada. Com ela, encontraram um bilhete criptografado com instruções de repasse financeiro para uma carteira digital conectada à darknet. A promotoria não precisou de muito mais. Alegaram associação ao tráfico com agravantes cibernéticos. Foi o suficiente para deixá-la atrás das grades por três meses.
Ao sair, não tinha casa, nem família, nem Caíque. Restava apenas a sarjeta — e ela a aceitou como única amiga. Os dias se desfaziam entre baforadas e delírios. Tornou-se uma sombra de si mesma, vagando por esgotos urbanos, dormindo sob viadutos, falando sozinha sobre o passado e sobre códigos que ninguém compreendia.
Até que, numa noite fria, enquanto falava frases desconexas sobre chaves públicas e relay descentralizados, alguém ouviu. Era ela: Prodígio — a mente por trás de um dos mais resilientes nós do Nostr. Uma lenda entre os libertários digitais. Ela a reconheceu pelo olhar — não o de agora, perdido — mas o de antes, quando Sophia ainda postava sobre privacidade, liberdade e descentralização.
Sem julgamentos, a Prodígio a levou consigo. Cuidou da desintoxicação, deu comida, silêncio, dignidade. E, com o tempo, uma senha de volta: um private key novo, limpo, gerado com palavras escolhidas a dedo. Sophia voltou ao Nostr. Um novo perfil, um novo propósito. Agora, não mais como usuária. Mas como guardiã.
De vez em quando, ela ainda sonha com fumaça. Mas acorda com propósito.